quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

RETRATOS DE BAURU (9)


REBUÁ
Rebuá é umas pessoas mais populares na cidade. Não existe quem não tenha esbarrado com ele e ouvidos suas considerações sobre todos os personagens importantes da cidade. Descreve com uma naturalidade estonteante sua proximidade com todos, de todos os segmentos e matizes. Considero um dos mais simpáticos da cidade. Para conversar com ele, necessitamos de tempo, pois gosta de fazer pronunciamentos de longa duração. Quando lhe perguntam o nome, faz questão de incluir Rebuá Le Fígaro Le Monde, franco-inglês e uma espécie de judeu arrependido. Está hoje com 58 anos e exerceu durante muito tempo a profissão de professor. Hoje, prefere andar e conversar por toda a cidade, com seu inseparável terno preto e a verve solta. Se diz convertido ao judaísmo há uns 20 anos, mas o que professa mesmo é o bom papo.




terça-feira, 29 de janeiro de 2008

CARTAS (4)



Eu não gosto de ser grosseio com ninguém, mas tem momentos que necessitamos marcar posição, pois existem abusos. Num desses, li verdadeiros absurdos desferidos contra Lamarca e resolvi responder à altura. Quem acompanha o Jornal da Cidade deve estar por dentro da polêmica sobre ele e sabe que a resposta, partindo de mim, não poderia ser passada em branco. Saiu publicada na Tribuna do Leitor, edição do último domingo, 27/01. E como dizia o meu frasista preferido, o ex-presidente corintiano Vicente Matheus: "Quem entra na chuva é para se queimar". Entrei e sei que poderá pintar réplicas e tréplicas.


LAMARCA E GOFFI - Mr. HIDE E Dr. JECKYL
Ivan, de uma vez por todas deixe o Lamarca em paz. Ele se jogou de corpo e alma numa guerra contra as injustiças brasileiras, contra uma cruel ditadura e merece o reconhecimento postumamente prestado. O regime militar merecia reações daquele tipo. Falta-nos hoje essa coragem. Já, os seus textos estão sectários demais, duros, grosseiros, alguns até preconceituosos. Todo sectarismo é perigoso. E estás se transformando num cara tipo dr. Jeckyl. Daqueles que todos cortam volta. Daqueles que para provar no que acredita, até inventa e distorce fatos. Você não precisa disso. Ficou chato. Leia mais, beba mais, saia mais um pouco do seu restrito circulo de amizades, viva mais e de vez em quando procure observar algumas virtudes nos seus adversários e inimigos. Fique menos Taleban. Renascerá...

domingo, 27 de janeiro de 2008

UM COMENTÁRIO QUALQUER (8)

A REPORTAGEM DO DIA - CAPA DA FOLHA DE SP

Perdi o hábito de ler os tais jornalões diariamente, pois estão um tanto tendenciosos. Fujo deles, mas ainda os leio, principalmente quando bato o olho numa banca e vejo algo que me interessa. Hoje aconteceu isso. Fui logo cedo comprar minha revista semanal e não resisti acabei trazendo junto a Folha de SP (R$ 4,00). A manchete do alto da capa estava mais do que convidativa: "Brasil mandou matar Jango". Não estou escrevendo aqui para comentar a matéria em si, pois elas deveriam fazer parte de nossos jornais todos os dias. Escrevo sobre o que me move, a atração, o diferencial, o que busco e não encontro e quando algo que me desperta a curiosidade está logo ali, diante dos meus olhos, não resisto e trago logo para meu mafuá, onde o devoro avidamente. Com a Folha SP desse domingo foi assim. Trouxe para casa e não me arrependi.



MEMÓRIA ORAL (20)

DUAS TARDES COM A HISTÓRIA DE BAURU

Gabriel Ruiz Pelegrina é nosso mais conceituado memorialista. Não só pelo peso da idade, pois está hoje com 86 anos, carregando também consigo uma saúde de ferro, mas pela sua brilhante trajetória. Vendo-o com uma invejável vitalidade, não resisti a um comentário: "O sr vai acabar ultrapassando o Niemeyer". Ele ri e diz somente ter ainda muita coisa para fazer nessa vida. E olha que muito já foi feito, pois há mais de 60 anos esse agora grisalho senhor vem juntando documentos sobre a história da ferrovia e da cidade de Bauru. Ele não demonstra querer parar de juntar e contar o que sabe para quem estiver disposto a dar uma paradinha e escutar tudo o que já presenciou na vida. É um detalhista, tendo ouvidos dos mais apurados. Se a vista já não ajuda muito (lê com o auxílio de uma lupa), o ouvido continua tinindo, pois não se faz necessário falar alto em sua presença, muito menos ficar repetindo frases. Ele escuta tudo.
Passo defronte sua casa todos os dias e na maioria das vezes trocamos um leve aceno de mãos. Evito parar para uma conversa, pois sei que todas as vezes que o fizer, terei que ficar horas ali. Parar por parar defronte seu Gabriel é pura perda de tempo, pois não existe meios de não ir ficando cada vez mais tempo na sua presença, ouvindo suas histórias, vendo as fotos e documentos, entrando no seu mundo e conhecendo um pouco mais de nossa história. Ir ao seu encontro requer em primeiro lugar tempo, muitotempo. Quando se está com pressa, requer a boa educação, passar longe dele, pois será inevitável sair do encontro com um gostinho de quero mais. Eu fui adiando esse dia e finalmente ele voltou a acontecer. Foram duas tardes inesquecíveis.
O motivo estava dado (sempre é bom ter um motivo). Quando lançou seu novo livro, o "Bauru – Notas Históricas" eu estava viajando. Já o havia comprado, minha mãe até já o havia lido (também ficou com o tal gostinho de quero mais) e o estava levando para a dedicatória. O outro motivo era para elucidar um fato histórico que, só mesmo ele poderia me esclarecer. Sediaremos em Bauru um evento sobre Patrimônio Cultural no próximo dia 16/2, quando estariamos comemorando 100 anos da vinda de Afonso Pena, o primeiro presidente da República a visitar Bauru. A divergência é sobre o ano exato, 1908 ou 1909. Existem documentos com as duas datas. E agora? Se for 1009, o centenário será somente ano que vem. Liguei e marquei a visita.
No dia seguinte, no horário combinado, ao me receber sou encaminhado sem rodeios ao seu local de trabalho. Antes que pudesse mostrar cópia dos dois documentos que havia trazido, cada um com uma data, ele se antecipou e mostrou cópias das duas fotos, iguaizinhas as minhas e afirmou: "Até hoje, por tudo o que já pesquisei, foi em 1908. O centenário será esse ano". Faltava porém, um documento para decifrar de vez a charada, uma cópia da Ata da inauguração dos 100 kms, motivo da visita, "lavrada no quilômetro 92, estação de Lauro Piza, com a presença do presidente. Eu tenho cópia dela e se me der um tempo a encontro", me diz. A data havia sido mesmo em 16/2, mas o ano permanecia nas afirmações de memória.
Só então fui dar conta do local onde me encontrava. Já havia estado ali em outras oportunidades e em todas uma constatação, a organização é algo que o acompanha há muito tempo. Tudo ali tem um lugar definido, porém daqueles que só o dono sabe o paradeiro. E ele vai mostrando de tudo um pouco, comuma paciência que também lhe é peculiar. Mostro o livro e peço a dedicatória. Ele o coloca num canto e pede que o pegue amanhã, pois não gosta de fazer isso com pressa. Vou olhando para tudo e ele parece se divertir com tudo isso. Todos que passam por aquele santuário devem ter a mesma impressão e a frequência de visitantes não deve ser pequena. "Vou receber três moças de São Paulo ainda nessa semana. Elas ficarão três dias por aqui me entrevistando sobre a ferrovia", conta ele. Conta sobre avinda de um funcionário do arquiteto Jurandyr Bueno Filho, querendo saber o nome anterior da rua Monsenhor Claro: "Para esse tipo de pesquisa, não preciso nem pesquisar. Na maioria das vezes sei de cabeça. Disser ser Piatã". E fala isso sem pedantismo ou falsa modéstia, é que sabe mesmo.

Desde que assumi meu cargo na Secretaria de Cultura, sucedendo justamente a ele, mantemos um bom relacionamento. Ele, melhor do que ninguém, sabecomo se processam as coisas num setor público, as obrigações da função e define o que vivenciou: "Quando o Governo Nilson Costa acabou, diante de tudo o que havia passado, sabia ter chegado o momento de sair. Como chegará o seu dia no final do Governo Tuga. Sai deixando alguns que não me entendiam direito. Como em todo lugar, lá tem gente que quer trabalhar e outros que não querem". Produzimos nossos comentários bem pessoais, só nossos, um para o outro, cada um entendendo e querendo se ajudar mutuamente. Falou também sobre o peso da idade e o momento de sair do Núcleo de Pesquisa e Documentação da USC – Universidade do Sagrado Coração, criado por ele e que leva seu nome. Construiu aquilo tudo e diante da nova realidade da universidade preferiu observar tudo à distância, de sua casa. Parte de seu rico acervo está lá e a restante ao seu lado, sendo a grande motivação para continuar produzindo e contando a história dessa cidade.
Antes da despedida, quando se aproxima das 18h, ainda fez questão de mostrar um por um, os livros que já publicou e os textos seus publicados em revistas, jornais e outros periódicos. São muitos, como são muitas as citações feitas a ele, como fonte bibliografica nos mais diferentes tipos de trabalhos de pesquisa. É uma referência. No portão, após o compromisso de voltar no dia seguinte, no mesmo horário, ele promete continuar procurando a tal cópia da Ata. Como combinado, ligo antes de ir e aviso estar comigo o chefe do Museu Ferroviário, Válter Tomaz Ferreira. Uma única exigência: "Venha no horário, pois assim teremos mais tempo para conversar". E assim foi feito. Chego com o Válter e ele logo fica sabendo ter sido amigo do seu avô, o seu Tomáz, também conhecido como Capitão Índio, de quem tinha um antigo cartão. Fala também da amizade com meu tio, seu André Perazzi, um antigo alfaiate e por muito tempo, porteiro do BAC. Isso tudo serve para quebrar o gelo, deixando o Válter mais à vontade, pois era sua primeira visita ali. Ambos foram se conquistando a cada detalhe. Novamente, seu Gabriel se mostra de uma simplicidade muito grande e reabre seu baú de recordações, num papo estendido por mais de duas horas. Fomos ficando, ouvindo, vendo e aprendendo muito. Quando ficou sabendo que nós dois havíamos estudado na antiga "escolinha" da RFFSA, no final dos anos 70, sob a direção de Ricieri Trevisan, quis contar uma historinha: "O Ricieri não gostava do termo escolinha. Liguei para lá e ouvi ele todo pomposo: 'Alô, aqui é do Centro de Formação Profissional Aurélio Ibiapina'. Respondi: 'Desculpe, acho que liguei errado, pois pensei que fosse da escolinha da Rede'. Por fim, terminamos rindo". Tudo para ele tem uma certa ligação com nossa história e seus personagens. E ouví-lo é um aprendizado.

Continuamos a fazê-lo. Diz que hoje são três os historiadores da cidade: "Pitta (Osvaldo Pitta), Luciano (Luciano Dias Pires) e eu". "E os novos", pergunto a ele. "Calma, tem muita gente caminhando, nós estamos lá na frente". E quem somos nós para discordar. Conversamos sobre tudo, inclusive o comércio vizinho à sua casa (projetada por ele nos anos 40), um grande depósito de papel, propriedade de Antonio Ermínio de Moraes: "Eles hoje plantam os eucaliptos lá pros lados de Três Lagoas e acho que não saem mais daqui. O negócio deles só cresce". Não gosta de professores pedantes, daqueles que alardeiam saber tudo e diante de alguns nomes nos diz: "Muitos são professores de café e nós falamos de pitanga". Isso pode parecer pedantismo de sua parte, mas para quem o conhece sabe não se tratar disso. Ele se dedicou muito para atingir o estágio atual: "Existem muitas coisas que eu e o Pitta vamos corrigindo no que vamos lendo por aí. Lemos muita coisa errada e quando pegamos uns deslizes, provamos que foi tudo diferente. Conhecemos a história daqui, só isso".
Parece um tanto descontente por não ter encontrado a tal Ata: "Não vou nem dormir, mas irei encontrá-la, pois agora já estou até achando que foi mesmo em 1909". Do outro lado, uma prateleira com fitas cassetes e numa delas, outra raridade, o falecido desenhista Alcione Torres cantando sambas, boleros e até música italiana. Nem foi preciso pedir para ouvir, pois ele também queria matar saudades da voz do amigo. Enquanto ouvíamos, foi mostrando o conteúdo de gavetas, armários e prateleiras. Raridades e mais raridades. Da conversa, o compromisso de sua contribuição para algumas futuras exposições do museu, desde que o ajudássemos a transferir para CD suas fitas cassetes. Saimos de lá, ambos querendo ficar mais e selando promessas mútuas de novos encontros. A deixa foi ele mesmo quem nos deu: "Voltem quando as três moças estiverem por aqui e venham também para me ajudar no fichamento da história da cidade, pois já não consigo fazer sózinho". Já na rua fui ler a dedicatória: "Ao caro amigo e conterrâneo HPA, aqui vai um pouco da história de Bauru. Com o abraço do amigo GRP. Bauru 20/01/2008".

PS.: Fomos consultar uma antiga coleção de jornais "O Bauru", de 1908 e lá estava a confirmação de que a visita havia, de fato, ocorrido naquele ano, solucionando o impasse.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 22 de janeiro de 2008.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

UMA ALFINETADA (16)

VADE RETRO, CARNAVAL
Sou um carnavalesco nato. Esse período acaba me revitalizando para o restante do ano. Não sou adepto daqueles que, insistem naquela bobagem de que o ano só começa após esse festejo. Para mim, começou bem cedo, pois estou ralando desde o dia 2. Porém, acho mais do que necessário e estimulante a parada para cair na folia. Todas as pessoas sensatas, que professam uma fé autêntica, devem entender que não só de contrição a vida deve ser tocada. Muito menos só de trabalho. Essas paradas são mais do que necessárias, ainda mais, quando ocorre com uma festa que, considero nossa maior manifestação popular de congraçamento popular. Produzimos e muito, também no ócio.
Reviver isso e revitalizar essa manifestação é primordial para enfrentarmos o restante do ano. Quer coisa mais alegre do que podermos nos reunir num salão, fantasiados e cantando alegremente as velhas marchinhas? Já pensaste na alegria familiar de ver os seus fantasiados na rua, todos num bloco, unidos e alegres, evocando a alegria de viver e de estar bem consigo mesmo? Não existe coisa melhor. Eu, particularmente, consigo fazer uma junção maravilhosa, misturando trabalho, fé e lazer, extraindo de todas elas o combustível de minha existência. O que seria de nossas vidas sem esses momentos de lazer e oportunidades, cada vez mais raras de exposição pública de alegria?

Aqui por Bauru, infelizmente vivemos um momento não muito alegre para o Carnaval. Estamos sem o desfile de nossas Escolas de Samba por quase uma década. A tristeza foi constatar que as Escolas não se prepararam para os dias atuais, quando o poder público teve que parar de injetar dinheiro na festa. Como não encontraram alternativas e esperavam tudo de mão beijada, o desfile definhou e continua suspenso. Nesse ano, somente um clube estará promovendo bailes e em dois dos quatro dias de folia. Algo incompreensível para uma cidade que já possuiu 10 clubes com bailes concorridíssimos. A alegria está no fato da Prefeitura promover o renascimento dos blocos, com um desfile na rua para essa modalidade. O interesse despertado logo de cara demonstra que, tudo pode ser reestaurado em poucos anos e que o Carnaval continua mais vivo do que nunca.
O Museu Histórico aqui de Bauru estará revivendo o Carnaval com uma exposição, "Os Nossos Carnavais", onde o principal será uma pequena amostragem de peças e fotos de cada Escola de Samba da cidade. A abertura será no dia 31/01, quinta, com um corso reunido defronte o Automóvel Clube, à partir das 19h e seguindo pelas ruas até a frente do Museu, tocando as marchinhas carnavalescas, quando será aberta oficialmente a mostra. Será uma forma de reviver a antiga folia, tendo um enfeitado calhambeque como Comissão de Frente. A abertura está prevista para acontecer às 20h, mas se ocorrer um prolongamento da festa, acreditamos que ninguém ficará entristecido. Que a partir daí, despontem outros blocos, servindo para reacender a velha e saborosa tradição de reunir as pessoas nas ruas para bailar, cantar, se abraçarem e se conhecerem melhor.

Para aqueles que batem na madeira só de ouvir a menção do nome Carnaval, recomendo algo que acabo de ouvir de um grande amigo. Ele adora o Carnaval do Rio e todo ano caia naquela folia, juntamente com a família, principalmente nos desfiles no Sambódromo. Num certo ano, convida um parente da religião Batista para ir junto com sua família. Ele acaba aceitando, hoje não perde um desfile e nem por isso deixou de continuar professando sua fé. Tudo a seu tempo. Disso concluo que, devemos estar receptivos para tudo e que o isolamento, o permanecer bitolado e recluso não ajuda em nada. Sou mais por encontrarmos tempo para tudo, sendo adepto de que, sem os excessos, tudo deve ser permitido.Skindo, skindo e vade retro, para quem permanecer sentado.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos de alguma folia e adepto do requebrado para destravar as juntas mal concebidas e mal ajambradas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

UMA MÚSICA (14)
Parabolicamará
Ouço Gilberto Gil desde pequeno e sempre gostei muito. Tenho quase todos seus LPS (os tais bolachões) aqui no meu mafuá, dos quais não me separo. Esse aí é um dos que curto de montão. Quase todas as músicas são muito boas e dentre elas, essa que foi uma premonição aos dias atuais.

música e letra: Gilberto Gil 1991
Antes mundo era pequeno/ Porque Terra era grande/ Hoje mundo é muito grande/ Porque Terra é pequena/ Do tamanho da antena parabolicamará/
Ê, volta do mundo, camará/ Ê, ê, mundo dá volta, camará/ Antes longe era distante/ Perto, só quando dava/ Quando muito, ali defronte/ E o horizonte acabava

Hoje lá trás dos montes, den de casa, camará/ Ê, volta do mundo, camará/ Ê, ê, mundo dá volta, camará/ De jangada leva uma eternidade/ De saveiro leva uma encarnação/ Pela onda luminosa/ Leva o tempo de um raio/ Tempo que levava Rosa/ Pra aprumar o balaio/ Quando sentia que o balaio ia escorregar

Ê, volta do mundo, camará/ Ê, ê, mundo dá volta, camará/ Esse tempo nunca passa/ Não é de ontem nem de hoje/ Mora no som da cabaça/ Nem tá preso nem foge/ No instante que tange o berimbau, meu camará

Ê, volta do mundo, camará/ Ê, ê, mundo da volta, camará/ De jangada leva uma eternidade/ De saveiro leva uma encarnação/ De avião, o tempo de uma saudade/ Esse tempo não tem rédea/ Vem nas asas do vento/ O momento da tragédia/ Chico, Ferreira e Bento/ Só souberam na hora do destino apresentar

Ê, volta do mundo, camará/ Ê, ê, mundo dá volta, camará


Gilberto Gil: "Eu queria fazer uma canção falando dos contrastes entre o rural e o urbano, o artesanal e o industrial, usando um linguajar simples, típico de comunidades rudimentares, e uma cadência de roda de capoeira. Aí, compondo os primeiros versos, quando me ocorreu a palavra 'antena' - seguida de 'parabólica' - para rimar com 'pequena', eu pensei em 'camará' [palavra usada comumente nas cantigas de capoeira como vocativo] para completar a linha e a estrofe. Como 'parabólica camará' dava um cacófato, eu cortei uma sílaba 'ca' e fiz a junção das palavras, criando o vocábulo 'parabolicamará'. Uma verdadeira invenção concretista; uma concreção perfeita em som, sentido e imagem. Nela, como um símbolo, vinham-me reveladas todas as interações de mundos que eu queria fazer. Aí se tornou irrecusável prosseguir e, mais, fazer daquilo um emblema do conceito, não só da canção, mas de todo o disco.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

RETRATOS DE BAURU (8)

ZÉ VICENTE, O SORVETEIRO DO NOROESTE
Zé Vicente é uma das pessoas mais populares no campo do Noroeste, pois trabalha há muito tempo por ali vendendo sorvetes para a Sorveteria Pinguim. Além do jeitão bonachão, tem um diferencial de todos os outros que circulam pelas arquibancadas: não resiste a uma boa conversa e pára por tudo quanto é lado para uns demorados papos. Quando encontra um conhecido, nem se fala. Se isso atrapalha ou não o seu rendimento com vendedor é outra coisa, o fato é que possui uma simpatia das mais contagiantes. Ontem mesmo, na reabertura dos jogos do Noroeste em Bauru, foi bom rever nosso time jogando (um vexame, foi derrotado aos 49 minutos do segundo tempo) e mais ainda, rever Zé Vicente. Aquela alegria é uma estampa, pois sua vida é muito sofrida, estando desempregado há muitos anos, vivendo de bicos, durante a semana com a revenda de materiais recicláveis e nos finais de semana com os sorvetes. Têm 51 anos e procura, como todos nós, algo de mais concreto para deixar as incertezas da vida de lado. Esse é daqueles que, o Noroeste deveria reconhecer como fgura lendária do estádio, pois as histórias da bola não se limitam somente ao que rola lá dentro do gramado. Zé Vicente conta umas deliciosas.

sábado, 19 de janeiro de 2008

MEMÓRIA ORAL (19):

CUBA É TUDO ISSO MESMO?
Foi só abrir a boca e manifestar uma provável intenção de ir à Cuba ainda nesse mês de janeiro, para ter início algumas considerações, que pelo volume, acabei dando mais corda, estimulando o seu prosseguimento, tudo para tentar obter uma espécie de perfil do que o brasileiro acha de Cuba e de como acredita que seja a vida naquele país. De cada um ouvi algo diferente, quase todos na mesma linha de pensamento, o que me deixou deveras preocupado, pois pela maioria das considerações ouvidas, a grande maioria acredita que Cuba vive num mundo de opressão, falta de liberdades e de condições mínimas de vida decente (sic), precariedade instituicional e a mais cruel ditadura. A pergunta que fica num primeiro momento é: Como construiram essa idéia? O que leram, viram ou ouviram para construir esse perfil?
Em casa, ao pronunciar a viagem, quem me interpela durante o almoço, é dona Cida, 56 anos, que há 10 trabalha na casa dos meus pais como empregada doméstica. Vendo meu entusiasmo, enquanto almoçamos, ela me diz: "Ouvi que os cubanos passam fome, que o racionamento é muito grande e que eles vivem com muitas necessidades. Eles não comem carne como a gente, pois só uma cota mensal é permitida para cada família. Ninguém quer ficar por lá, veja a quantidade de cubanos que vivem nos EUA e outros tantos que fogem de barcos naquelas malucas viagens para outros países". Tentei argumentar, dizendo que "aqui temos a abundância, tudo diante de nossos olhos, mas não podemos consumir tudo o que queremos, pois na maioria das vezes não temos dinheiro para tudo o que queremos e até para suprir nossas necessidades". Tentei prosseguir argumentando sobre a quantidade de brasileiros que foge daqui, tentando entrar ilegalmentete nos EUA como clandestino e que numa proporção é até muito maior que a deles. Quer dizer, se eles fogem de lá, uma outra quantidade foge daqui, do México e de outros tantos países latinos. Percebi que não a iria convencer de nada, pois a carga de informações recebida do outro lado já havia consolidado o seu pensamento.
Por uma dessas coincidências da vida, quem me aparece em casa, no mesmo dia da conversa, é o militar aposentado Darcy Rodrigues, que viveu mais de dez anos em Cuba. Contei a ele os diálogos que havia tratado e diante de minha mãe e da Cida, sua resposta a elas foi: "Cuba é uma sumidade em medicina e saúde, estamos muito longe de uma equiparação com o estágio alcançado por eles. Por aqui recebemos as notícias pela TV do sr Roberto Marinho que, cresceu e se desenvolveu recebendo financiamentos dos EUA. O SBT a mesma coisa, Silvio Santos tem negócios por lá e bajula o império. Como podemos esperar que as informações recebidas por esses meios de comunicação nos contem a verdade?".
Quando comuniquei a amiga Gisele Pertinhes, 40 anos, pedagoga da minha intenção, a primeira reação foi: "Você estará pertinho dos EUA". Logo a seguir me disse: "O duro de lá é que você não pode ficar na rua até tarde. Vigora uma espécie de toque de recolher, que te impede de ficar nas ruas, nos bares até a hora que você bem entender". Algo na mesma linha ouvi de outra amiga, Maria José Ursolini, 49 anos, educadora, que havia estado em Cuba há 10 anos atrás, num congresso sobre educação e me diz: "Não adianta te falar nada, pois você verá pessoalmente. Não gostei de muitas coisas que presenciei, como uma carência coletiva muito grande. Sentem falta de muitos produtos. As lojas são completamente diferentes. Foi difícil trazer presentes, pois não existem como aqui". Tento argumentar: "a educação, o esporte e a saúde são prioridades e estão num estágio mais avançado do que o nosso, tendo o básico, o necessário e não precisam de muito além disso. Nós, do lado de cá, vivemos muito em função do supérfluo". Não a convenci, nem quando usei como resposta: "Na verdade não precisamos de 20 marcas diferentes de shampoos, massa de tomate e papel higiênico".
Na véspera do Natal quem fica sabendo do meu intento em viajar para Cuba é meu irmão, Edson Antonio Perazzi de Aquino, 43 anos, arquiteto, que desfere logo de cara: "Você deve ter recebido algo que te enviei por e-mail sobre o patrimônio cultural de Cuba. Lá está tudo com um péssimo aspecto, muito degradado e com um descuído intolerável, sendo que alguns prédios são considerados Patrimônio Histórico da Humanidade. Se eles não cuidam nem de suas edificações históricas, que dirá do resto. Está tudo comprovado, com fotos de marquises caindo, lastimável". Mais ouvi do que falei, pois antes queria ter acesso ao e-mail e a forma como foi divulgado (já o havia deletado). Só digo a ele que "em tudo que faço enxergo os dois lados, principalmente as intenções de quem enviou, para depois emitir algum conceito". Quem acabou me mostrando um outro lado foi o Marcos Paulo Resende, 27 anos, professor de inglês, quando me alertou: "Cuba faz algo que poucos países fazem. Eles reformam 300 mil casas por ano, no que eles denominam de Programa de Reforma Urbana, onde quem reforma sua casa é o Estado e não você. Lá ninguém tem necessidade de reformar sua casa, pois isso é obrigação do Estado. E só não fazem mais por absoluta falta de dinheiro. São mais pobres do que nós. O cubano pode viajar para onde quiser, como o brasileiro, só que, assim como no nosso país, uma porcentagem infima pode fazê-lo, pois não tem dinheiro para a viagem. Não é igualzinho. O país é pobre. Só que lá ninguém fica sem o básico, já aqui. Lá hoje há 902 estudantes universitários brasileiros, todos bolsistas, entre os quais 472 na medicina. Tudo gratuito, como deve ser o verdadeiro ensino".
Numa agência de viagens, um senhor ao meu lado, quando me vê consultando preços sobre pacotes para a ilha de Cuba, não se faz de rogado e faz questão, mesmo sem me conhecer, de me alertar: "Não iria para um lugar desses de jeito nenhum. Lá não têm nada que procuro. Vou é alguns quilômetros à frente, na Flórida. Aquilo sim é lugar para passear e fazer turismo". Mais não lhe deixo falar, pois me viro para o atendente e de costas para ele, deixo claro minha indisposição. Falando sózinho, a cantilena pára por aí. Quando ele se afasta, o constrangido atendente fez questão de me dizer: "Aqui a gente é obrigado a atender todo tipo de cliente, inclusive desse tipo. Eles acham que por terem dinheiro suas idéias devem prevalescer sempre". Evito comentários, pois essa era a melhor resposta que poderia ter ouvido.

Abro minha revista semanal, a Carta Capital e na seção Brasiliana, o título é dos mais sugestivos, "Réveillon nos anos 50". A jornalista Ana Paula Souza foi passar a virada do ano em Havana e fez comentários favoráveis e desfavoráveis à ilha. Algo que marca, logo num box no meio da matéria é a frase: "Em Havana nem sombra de fogos ou compras" e a constatação de que havia "atravessado um túnel do tempo (...) sinal de que estamos, sim, nos anos 50". Cutuca quando aponta algumas contradições: "Os CUCs (unidade de conversão tornada moeda para turistas e mercado paralelo) são o símbolo do mundo paralelo que as esquinas de Havana escondem" e "a literatura oficial parece resumir-se a Che Guevara e ao poeta José Martí". Por outro lado, li que: "Em Havana, não há serviçais.Todos tratam a todos como iguais" e "pensei na ausência de gente de feitio servil". O que tento fazer é colocar isso tudo numa balança, pesar os prós e contras e tirar minhas próprias conclusões.
No final de semana passada, algo me chama a atenção num jornal aqui da cidade, quando pedem a um entrevistado: "Para quem você daria nota Zero?". A resposta é direta: "Hugo Chávez". Como deve ser também para o cubano Fidel, seu irmão Raul, Morales, o boliviano e Correa, o equatoriano. Na rádio Auri-Verde ouço o locutor Luiz Carlos Silvestre, afirmar com ironia no noticiário das 18h: "Os cubanos vivem numa saia-justa que é brincadeira. Vivem muito mal". Um outro ao seu lado, ironiza o irmão de Fidel, Raul, por haver colocado terno para receber o presidente Lula e da intenção desse de abrir o regime (será que conhecem Raul?). E diante disso, fico a pensar sobre outra coisa que acabo de ouvir, como crítica para o regime cubano: "Como deve ser ruim viver com tudo igualzinho, naquele marasmo". Não tive tempo de responder (o faço aqui), mas acredito que o inverso também é do mesmo jeito, pois nada pior do que o pensamento único, esse que tenta nos fazer crer que o neoliberalismo e a globalização são a definitiva e irrefutável solução para todos nossos problemas. Todos os que tentam viver diferente disso, crucificados são. Nossas fontes de informação, na maioria das vezes, passam dados distorcidos, segundo o seu ponto de vista e interesses. E o pior é que os que estão do lado de cá, acabam acreditando em tudo, como se fossem verdades incontestáveis. Portanto, seria ótimo tirar minhas próprias conclusões, sendo assim, continuo cruzando os dedos para que o sonho dessa viagem finalmente se concretize (toc toc toc).

Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 15 de janeiro de 2008.
FRASES DE UM LIVRO QUE JÁ LI (8)

DO GOLPE AO PLANALTO - RICARDO KOTSCHO
Kotscho é uma figura que sempre admirei no cenário nacional. Uma postura das mais dignas e um excelente profissional. O trouxemos para Bauru, numa promoção do Sindicato dos Jornalistas (obrigado, caro Alcemir) no final de 2006. De lá para cá, troco e-mails com ele e estamos acertando sua volta para março desse ano, quando lançará o novo livro. Desse aqui, publico abaixo, uma carta enviada a ele e as frases que fui grifando. Ficou longo, sei disso, mas é que o cara fala coisas que não tinha como passar por cima. Para quem tiver paciência, fica aqui o registro:

Meu caro RICARDO KOTSCHO
Terminei de ler o seu livro no dia 01/01/2007. Demorei a fazê-lo, pois você esteve aqui em Bauru no dia 12/12 e na correria de final de ano só fui conseguir devorá-lo nesses dias de festas, de pouca atividade e algum tempo ocioso. Aproveitei para colocar as leituras em dia e teu livro foi uma das prioridades e a que me proporcionou maior prazer, pois além de acompanhar sua trajetória há muito tempo, a forma como escreve, faz a gente começar e não querer parar mais. A cada página lida ia constatando a sua integridade, a forma de tratar o semelhante e a preocupação com os desvalidos e os miseráveis dessa nossa terra varonil. Tua vida sempre foi muito intensa e devido ao teu estilo peculiar, a facilidade de escrever (e bem) e retratar o que ia observando pelas caminhadas, a sensibilidade de descobrir boas histórias nos acontecimentos mais simples, noto que nunca esteve privado de trabalho, nunca tendo passado por grandes sobressaltos, pois soube fazer bons amigos e ser reconhecido por eles. O stress e a angústia foram a de não poder resolver tudo da forma e no momento adequado, mas isso ninguém consegue a contento. Vamos fazendo a nossa parte e contribuindo para transformar esse país, pouco-a-pouco no país que idealizamos. Você faz a sua parte muito bem feita.

O fato é que me encantei com tuas histórias, tanto que fui meio que obrigado a ir grifando o livro com minha caneta marca-texto, pois além das lições recebidas a cada página, gosto demais da profissão de jornalista. Recebi uma verdadeira aula, uma lição de como deve ser a prática do verdadeiro jornalismo. Fiz questão de reproduzir lá embaixo uma porção de frases, as mais significativas do livro, aquelas que selecionei, reescrevi num outro papel e mantenho ao meu lado para futuras consultas de como deve ser o procedimento, a alternativa correta para algumas embrulhadas que a vida sempre nos apresenta.

De uns tempos para cá tenho escolhido melhor os livros que leio (uns 50 por ano). Já li de tudo, desde coisas enfadonhas, que vamos arrastando, lendo numa marra danada, até aquelas que você começa e não quer mais parar. Teu livro foi assim, tanto que tomei uma decisão (que não sei se conseguirei cumprir): só lerei esse ano aqueles, que batendo os olhos, sentirei prazer em lê-los. Começo muito bem o ano, pois o que encontrei nas páginas do "Do Golpe ao Planalto" foi uma espécie de regra de conduta daqui para frente.

Obrigado por me proporcionar um belo começo de ano. Voltando para Bauru (que tal no lançamento da revista?) não se esqueça dos amigos deixados em Bauru (envio foto anexa, tirada no JC, junto comigo e o Alcimir do Carmo, do Sindicato dos Jornalistas). Outra coisa: como percebi que tua revista vai retratar as histórias de brasileiros comuns, aquelas que todos nós possuímos, conhecemos, mas não lemos em lugar nenhum, quero ir te enviando via e-mail algumas delas, que irei resgatando e coletando aqui por Bauru. Quem sabe você não se encanta com uma delas e vem para cá antes do previsto. Os bares de Bauru te aguardam.

Vamos as frases:
- "Rossi foi quem me ensinou na prática qual o sentido da nossa profissão: garimpar boas histórias e oferecer informações confiáveis à sociedade."
- "Para ficar boa uma história tem que ser contada como foi contada desde o início."
- "Foi com ele (padre José de Almeida Prado) que aprendi o prazer da leitura e a escrever da forma mais simples possível para me fazer entender – em português."
- "...o excesso de zelo naquela época muitas vezes impediu que assuntos importantes viessem a público. Como acontece até hoje."
- "No corre-corre do desafio de cada edição do jornal, muitas vezes não nos sobra tempo para refletir sobre o trabalho que estamos fazendo – e por que estamos fazendo. O jornal precisa acompanhar o seu tempo sem se deixar levar por ele, mas não pode nunca perder de vista as perspectivas históricas, os seus compromissos com o leitor, a comunidade, os interesses maiores da Nação. Acima de tudo, porém, o seu compromisso é com a verdade."
- "O melhor da experiência de ser correspondente internacional é que você se obriga a fazer matérias para todas as editorias do jornal, e acaba conhecendo a cada dia novas histórias e novos personagens. (...) Quem descansa, enferruja."
- "Apanhei um pouco no começo, até descobrir que texto de revista é diferente de texto de jornal. (...) A formula consistia em, com base em algumas informações originais, construir uma tese qualquer sobre o assunto; eu já não podia apenas relatar os fatos".
- "Nessa profissão, para conseguir matérias, não adianta brigar nem discutir com as fontes; é preciso ter paciência, engolir sapos e pensar sempre apenas em como arrancar informações que sejam do interesse do leitor, nosso verdadeiro patrão. (...) Às vezes, a grande matéria surge de um fato banal do cotidiano, de uma pista que se recebe num telefonema ou se ouve em conversas num balcão de bar."
- "Páscoa, Finados, Natal, não tem jeito – é difícil para um repórter escapar da cobertura de tais datas e das matérias que parecem ser sempre as mesmas, ano após ano. No entanto, em lugar de falar do preço de ovos, peixes, flores e panetones, pode-se contar uma história que de alguma forma esteja relacionada a essas datas."
- "É esta a função do repórter: mostrar a nossa realidade para que as pessoas tenham elementos capazes de transformar esta mesma realidade, reagir diante dela, se quiserem. O resto é burocracia, propaganda ou literalice, não tem nada a ver com jornalismo. Complicaram muito as coisas, mas jornalismo é uma arte muito simples: um repórter e um fotógrafo na rua, mentes e corações bem abertos, contando as histórias do dia-a-dia da vida."
- "É preciso estar sempre atento a qualquer fato ou personagem que possa render uma boa matéria. Às vezes, são os próprios leitores que nos dão a pauta. (...) Às vezes, eu embarcava com uma pauta e trazia de volta outra história, completamente diferente."
- "Aprendi a não escolher assunto, a ir atrás de qualquer história."
- "Acontece muitas vezes de passarmos todos os dias por um determinado lugar, entre a casa e o trabalho, e não repararmos que ali mesmo tem matéria."
- "Quem não é do ramo dificilmente entende que repórter não trabalha só quando está em serviço, dentro do horário comercial. O que nos move e abastece de boas histórias, matéria-prima do nosso ofício, é a curiosidade, o olhar atento, a descoberta do novo, do inusitado."
- "Repórter, expliquei a todos, mesmo quando está a favor de uma causa, não pode nunca brigar com os fatos, sob o risco de suas matérias não servirem para mais nada – nem para a causa que defende."
- "O jornalista de raça é um mágico. Transfigura o anônimo em notável, celebra o desapercebido, enquadra o texto no contexto. Enquanto nós nos limitamos a olhar, ele vê as coisas, pessoas, a paisagem. Vê e conta. (Ulysses Guimarães)."
- "Está na hora de acabar com esse negócio de jornalista ser dono da verdade. Eu ainda acredito naquelas coisas antigas: jornal, para mim, só tem sentido, só vale a pena fazer, se for para informar a sociedade, discutir o que está acontecendo, denunciar as injustiças, elogiar o que tem de bom e lutar sempre para mudar o que está errado."
- "Tem horas na vida em que a gente não fica escolhendo caminho – nem escolhe, nem é escolhido. Vai apenas porque tem vontade de ir em frente, arriscar, ver o que acontece, só para não se arrepender de não ter seguido. O que vem depois e conseqüência. "
- "... quando alguém lhe perguntava em que baseava sua confiança numa virada na campanha, ele resumia a resposta em dez letras mágicas: m-i-l-i-t-â-n-c-i-a.(Lula)"
- "Ou seja, não só o jornal onde eu trabalhava, mas também o jornalismo, como eu imaginava quando comecei na carreira, haviam desaparecido em algum desvão da história, justamente agora, que tínhamos novamente liberdade para escrever."
"...guardei a lição: os problemas de boa parte do povo brasileiro são pequenos, custam pouco para ser resolvidos, não existem grandes planos nem projetos. No entanto, é preciso saber que eles existem, e quais são."
- "Em vez de falar muito, procurar ouvir mais."
- "Não há nada pior do que fazer campanha depois que você deixa de ter esperanças de ganhar. Os rituais e as palavras vão perdendo o sentido, fica difícil transmitir confiança para os outros se nem você mesmo encontra motivos para uma virada."
- "Sem manuais de redação nem projetos para reinventar a roda, a receita era simples: retomar a boa e velha reportagem para resgatar lugares e personagens ausentes da grande imprensa do país." - "Sonha-se muito com a vitória, mas quando chega o dia você fica na dúvida, se é fantasia ou realidade o que você está vivendo."
- Muitos de vocês, como eu, passaram a vida do outro lado do balcão, reclamando dos assessores de Imprensa. Agoras, temos a oportunidade de mostrar na prática que é possível fazer aquilo que cobramos dos outros."
- "...entendia ser o relacionamento com a imprensa um trabalho construído no dia-a-dia, com paciência, fundamentado no respeito mútuo e na aceitação de que governo e mídia têm naturezas, objetivos e até tempos diferentes. (...) ...pelo simples e bom motivo de que acho besteira brigar com a imprensa. Não há receita. Trata-se de uma batalha diária, a ser decidida em cima de fatos e com argumentos eficazes."
- "O bom relacionamento com os profissionais dos veículos e respectivas direções é importante não apenas para divulgar corretamente as ações do governo, mas também para informar o próprio governo sobre o que está acontecendo do lado de fora do Palácio do Planalto. É um trabalho em duas vias.
- "Cem dias é o prazo de trégua que, no mundo inteiro, a imprensa geralmente dá aos governos. (...) No governo, aprendi que costuma ser assim mesmo: os ataques vêm quando e de onde menos se espera."
- "É melhor não mexer com isso", me aconselhavam. Se eu indagava os motivos, a resposta era uma só: - - "Deixa assim porque sempre foi assim". Pensei: ora, se era para deixar tudo como estava, então para que ganhar a eleição?
- “Penso que isso deve acontecer um todo governo: se algo dá certo, logo aprecem vários pais; se dá errado, a idéia é órfã."
- "Escrever sobre gafes de Lula passara a ser uma pauta fixa para alguns jornalistas, pouco importando se haviam sido cometidas ou não. (...) O grave é que a generosa quantidade de detalhes oferecida pelos repórteres na descrição de uma cena que não presenciaram pode transformar um fato que não aconteceu em registro histórico."
- "Jornais e jornalistas podem fazer críticas a todo mundo, mas têm uma dificuldade intrínseca para aceitá-las – não aceitam sequer que se discutam assuntos relacionados à imprensa. É fato, também, que em todos os escalões do governo se dava uma importância exagerada a qualquer crítica feita pela imprensa."
- "Imprensa é como o Congresso Nacional: você não têm como escolher os interlocutores. De nada adianta gostar ou não deles. Trata-se de poderes independentes. Há que aprender a conversar e conviver com eles todos. Ponto."
- "Apesar da concorrência acirrada, muitas vezes o noticiário político de Brasília parece ser produzido em pool, tal a mesmice das pautas e matérias. Com medo de levar um furo, em lugar de procurar a notícia exclusiva, boa parte dos repórteres fica trocando figurinha, quer dizer, checando informações entre si."
- "Se um assessor não tem condições de evitar as crises, pelo menos pode ajudar a não aumentá-las."
- "...no governo, você não pode apenas deduzir; tem que ter certeza, reunir antes todas as informações, para evitar imprevistos."
- "...em política, como de resto em qualquer área da comunicação social, não importa o que você pensa, o que você diz, o que você de fato defende – o que fica valendo é a versão, com base no entendimento da mídia, sobre aquilo que você pensa, faz e defende. É como picar papel e jogar do alto de um prédio; depois não tem volta."
- “Escrever para a redação (resposta para matérias) é sempre um risco, porque a última palavra fica com o veículo, além de os efeitos das cartas serem limitados, já que elas saem com muito menos destaque do que a matéria contestada."
- "Aquilo lá é um serpentário. Não importa quem esteja no governo. O poder alimenta as cobras."
- "Mas quem iria acreditar que alguém pudesse deixar o governo por livre e espontânea vontade, num país onde as pessoas vendem a mãe e não entregam para chegar ou continuar no poder? "
- "Para dar uma idéia do clima que o país vivia, alguns amigos chegaram a me aconselhar a não ir – para não se queimar -, justamente no momento mais difícil que o governo atravessava – você já está fora, fica longe disso, justificavam. Pois era exatamente por esse motivo que eu não podia deixar de ir."
- "Para complicar mais as coisas, os companheiros do governo retomavam a antiga prática, que vem dos primórdios do partido: dividir-se, culpar uns aos outros e o resto do mundo pelos erros cometidos. Em nenhum momento, porém, senti Lula fraquejar. Muito ao contrário, quanto mais difícil a situação ficava, mais disposto ele se mostrava a enfrentar as adversidades."
- "...porque o noticiário altamente explosivo é como fogo morro acima e enchente morro abaixo; depois que começa, ninguém segura."
- "Olhando as coisas agora de trás para a frente, fico com a impressão de que a raiz do problema não está nas pessoas ou nos partidos, mas num sistema político condenado a não dar certo. Para chegar ao governo, um candidato, qualquer candidato de qualquer partido, tem que fazer tantas concessões e alianças, mobilizar tantos recursos, que acaba amarrado a um conjunto de antigos interesses – de tal forma que não consegue implantar as reformas reclamadas pelo país há muitas décadas."

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

UMA MÚSICA (14)

CLASSE MÉDIA - MAX GONZAGA E BANDA MARGINAL
Essa música é uma das mais instigantes que ouvi ultimamente. Retrata fielmente como age nossa dita "classe média", papagaio de pirata de interesses que não são os seus. Abaixo a letra, a indicação do site do autor (www.maxgonzaga.com.br) e para quem quiser ouví-la, clique no Youtube: http://br.youtube.com/watch?v=KfTovA39GCs
Sou classe média./Papagaio de todo telejornal/ Eu acredito/ Na imparcialidade da revista semanal
Sou classe média,/ compro roupa e gasolina no cartão/ Odeio "coletivos" e/ vou de carro que comprei a prestação
Só pago impostos,/ Estou sempre no limite do meu cheque especial/ Eu viajo pouco, no máximo um/ Pacote CVC tri-anual
Mas eu "tô nem aí"/ Se o traficante é quem manda na favela/ Eu não "tô nem aqui"/ Se morre gente ou tem enchente em Itaquera/ Eu quero é que se exploda a periferia toda
Mas fico indignado com o Estado/ Quando sou incomodado/ Pelo pedinte esfomeado/ Que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado/ É camelô, biju com bala/ E as peripécias do artista Malabarista do farol/ Mas se o assalto é em "Moema"/ O assassinato é no "Jardins"/ E a filha do executivo/ É estuprada até o fim
Aí a mídia manifesta/ A sua opinião regressa/ De implantar pena de morte/ Ou reduzir a idade penal/E eu que sou bem informado/ Concordo e faço passeata/ Enquanto aumento a audiência/ E a tiragem do jornal
Porque eu não "tô nem aí"/ Se o traficante é quem manda na favela/ Eu não "tô nem aqui"/ Se morre gente ou tem enchente em Itaquera/ Eu quero é que se exploda a periferia toda/
Toda tragédia só me importa/ Quando bate em minha porta/ Porque é mais fácil condenar/Quem já cumpre pena de vida
UMA FRASE (11)



FAUSTO WOLFF NO JB

Um cara que escreve isso só pode ser uma pessoa sensível para os problemas desse mundo. Leio FW quase diriamente no JB e suas tiradas são de uma lucidez estonteante. Essa frase abaixo retirei de uma crônica dessa semana, lá no Caderno B:

"O que há de errado nessa cena: Ônibus escolar de próspero colégio. Menino de uns oito anos debruça-se na janela do ônibus e pergunta para menino de uns oito anos que faz malabarismos com três laranjas no meio da rua: "Por que você não vai trabalhar, heim?" O fascismo começa em casa".

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

RETRATOS DE BAURU (7)


HAMILTON SUAIDEN, O TURCO

Hamilton nasceu em Pompéia, pra lá de Marília e quando aqui chegou costumava reverenciar sua cidade natal: "Terra boa é Pompéia". É de uma família bem tradicional por aqui, os Suaiden, os Madi e tantos outros libaneses que por aqui aportaram. Muitos não o conhecem pelo nome, mas pelo apelido de "Turco". Fumante inveterado é daqueles que já fez de tudo um pouco na vida. Acabou cursando e tem lá na parede de sua casa o diploma de advogado, mas o que gosta mesmo de fazer é mascatear, comercializar as coisas. Desde que o conheço faz isso com maestria, mas uma que não o faz enricar, mas sobreviver. Quando ainda cursava Direito, resolveu se candidatar a vereador e fez uma campanha sem um tostão no bolso. Teve muito mais votos que muita gente endireirada da cidade. Dentre suas especialidades está o carteado e o jogo de sinuca, além do amor pelas duas filhas. Turco marca pela simpatia e por possuir um dos maiores narizes da cidade.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

UMA ALFINETADA (16)
TRÊS VALOROSOS PROGRAMAS

A cantilena contra o Governo Lula e principalmente contra a figura do atual presidente continua. Recebo diariamente aqueles e-mails forrados de preconceitos, frases forjadas e calúnia, muita calúnia. Existe uma campanha em curso de desestabilização, mas ela chove no molhado, pois, quer queiramos ou não, o presidente "iletrado" está sendo muito melhor do que os "letrados" anteriores. Lula têm seus erros e muitos, mas o que alguns não notam são seus acertos e eles precisam ser valorizados. Faço isso sem vergonha nenhuma, pois reconheço avanços e luto contra o retrocesso.

Vou ao Posto de Saúde com meu pai e encontro um senhor de idade reclamando do Lula. Observo que vem buscar medicamentos gratuitos para sua diabete e o questiono se antes era assim. Não era. Hoje, além de todo medicamento gratuito, compra o excedente no Programa Farmácia Popular, que foi criado exatamente para ampliar o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais (anticoncepcional, hipertensão e diabetes). Os descontos vão de 50% a 90% dos preços praticados nas farmácias normais, tudo sem complicação e burocracia. O Governo adquire os medicamentos dos laboratórios e os disponibiliza nas Farmácias Populares cadastradas, com o claro objetivo de beneficiar as pessoas que têm dificuldade para realizar o tratamento por causa do custo do medicamento. Fiz esse senhor entender que, fazia críticas à pessoa errada. Saiu de lá cheios de interrogações sobre os verdadeiros malefícios dos tempos atuais.

Vou a uma pequena loja na cidade e a dona do estabelecimento reclama aos brados contra o Governo. Noto que seu filho estuda pelo Pro Uni ? Programa Universidade para Todos, criado em 2004, cujo objetivo é conceder bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda em instituições de ensino superior privado. Aqui, os beneficiados são exclusivamente os de baixa renda e já são mais de 112 mil bolsas, devendo esse número atingir 400 mil novas bolsas nos próximos quatro anos. Pergunto a ela sobre os benefícios de manter o filho cursando o curso que tanto almejava, Veterinária, em outra cidade, e ela é obriga a concordar comigo. Não existe senão para o Pro-Uni. Ele é ótimo e foi criado por esse Governo, o do sapo barbudo. Quem tem filho cursando curso superior sabe muito bem do que estou falando.
Vou num sindicato e uma líder sindical reclama do Governo, nada está bom, tudo é ruim, retrocesso, peleguismo e coisa e tal. Ouço e a observo de carro novo. Tudo muito lindo, Governo ruim, situação péssima para negócios. Nada disso, pois hoje, é o melhor momento para se trocar de veículos e até tirar seu carro zero. As condições nunca estiveram tão favoráveis. Vejo gente que, nunca teve carro zero, tendo possibilidades de ter o seu. Isso não está acontecendo aleatoriamente, algo foi necessário para chegarmos a essa situação. Espero a sindicalista terminar sua cantilena e a questiono do carro novo e das condições para a troca. Por fim, sou obrigado a demonstrar que está faltando com ética, pois se o Governo que ela combate não faz nada, não deveria se beneficiar de uma medida desse Governo para trocar de carro. Faltou no mínimo coerência.
Reclamam, mas não enxergam nada e disso estamos cheios por aí. Contra esse tipo de procedimento eu não me seguro nas calças. Reajo e mesmo não sendo advogado de defesa desse Governo, faço a minha parte, não deixando a mentira prevalescer.

Henrique Perazzi de Aquino, 47 anos, a maioria vivida em governos ditatoriais militares (toc toc toc) e de civis da elite letrada. Querendo entender melhor o que se é pregado em nossas esquinas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

DICA DE LEITURA (12)

A revista Piauí não goza da minha preferência, porém a leio regularmente. Confesso meio que envergonhado, tenho todos os números aqui no meu mafuá. Já enviei cartas para a redação reclamando de sua postura de "lobo em pele de cordeiro". Foram elegantes e publicaram lá na seção de Cartas do site. Reclamava de alguns posicionamentos da revista, contrários aos meus. Democracia é isso, critico, porém, respeito.

A última edição, a que está nas bancas nesse início de ano tem uma entrevista das mais polêmicas, feita com o ex Chefe da Casa Civil do Governo Lula, José Dirceu e está sendo muito comentada pela imprensa. Pelas declarações do Zé, li que até uma CPI pode ocorrer. Acho imprudente e meio demagógico, mas o fato é que ele escancarou algumas coisas, daquelas inconfessáveis. Foram doze páginas, muito bem escritas por uma jornalista que o acompanhou por uns 4 dias, inclusive visitando alguns países. Deu para perceber que ele gosta de mostrar, de citar nomes importantes e continua fazendo lobby. É sua forma de viver. O que me chateou foi o fato de que mesmo passado tanto tempo das últimas eleições, ele que é do Campo Majoritário do PT ainda não cicatrizou suas feridas com o PT gaúcho e fez questão de mandar um recado, de alfinetar o pessoal do sul. No mais, um belo perfil, como tantos outros que foram feitos pela revista. Continuo comprando, mas faço sinal da cruz e rezo três "padre nosso" para me penitenciar.

MEMÓRIA ORAL Nº 18
O HOMEM DO SEBO E SUA HISTÓRIA COM ELIS REGINA

João Francisco de Bau, 81 anos é figura das mais conhecidas na cidade de Bauru. Dono dos mais conhecidos sebos da cidade, já possui seu nome associado a esse ramo de negócio. Hoje, são quatro as lojas da familia Bau no segmento sebo de livros. Muitos por aqui acentuam a palavra, achando que o nome do sebo é Baú, mas na verdade, trata-se do sobrenome da família, portanto, sem acento. Seu João, ou simplesmente seu Bau, é um baiano de Canarana, aos 16 anos deixou sua terra natal e peregrinou por um monte de lugares antes de se fixar por aqui. Rodou um bocado e em 1956 acabou indo para a capital paulista. Penou, como todos nordestinos, até conseguir algo onde pudesse se fixar. Descobriu que sua aptidão mesmo era a de ser caseiro em obras e zelador de edifícios, sendo muito requisitado, vindo a se aposentar na profissão.
Trabalhando numa dessas obras, pegou intimidade com o patrão e com as constantes visitas à casa dele, conheceu Maristela, hoje com 86 anos, a esposa de quem não mais se separou. Acabou saindo desse emprego, por um motivo bem simples: "Não queria desagradar o patrão. Ele poderia me pegar tendo intimidades com ela por lá e ficaria muito chato. Ela continuou trabalhando para ele e eu fui fazer outras coisas". Foi aí que começou a trabalhar em prédios, como zelador. Só num no Jardim Paulista, foram 8 anos e num outro na Frei Caneca, mais 4. Os anos foram passando e a história acabou se repetindo de outra forma: "Minha filha começou a ter um namorico com o meu porteiro. Quando percebi a coisa, conversei sério com os dois e logo a seguir pedi para meu patrão deixar ele ocupar meu lugar. Ele ficou lá, casou e foram felizes até o triste dia em que morreu num acidente".
No novo emprego uma nova história, a mais triste e dela só fui tomar conhecimento, quando numa ida ao sebo, em busca de CDs originais usados para minha coleção pessoal, achando um da Maria Rita, ao pagá-lo, ele puxou conversa e disse que a havia carregado no colo quando criança. Foi quando me interessei por ouvir seu relato: "Fui trabalhar na rua Melo Alves nº 666, no Jardim Europa. Lá fui zelador por mais de 8 anos. Sempre morei nos prédios onde trabalhava. Quem passou a morar lá foi a cantora Elis Regina. Ela alugou um apartamento no 5º andar, nº 52, não me esqueço. Nessa época já estava separada do seu César (ex-marido, César Camargo Mariano), namorava o advogado, dr Samuel (dr Samuel MacDowell de Figueiredo). Ela falava que tinha uma outra casa lá na Serra da Cantareira, mas preferia morar ali, naquele apartamento bem no centro dos espigões paulistanos. Era ela e os três filhos, João Marcelo (11 anos), filho do seu Ronaldo (Ronaldo Bôscoli), o Pedro (6 anos) e a Maria Rita (4 anos), filhos do seu César. O João Marcelo era muito amigo do meu filho, o Roberto Bau, que hoje tem o seu sebo ali na rua Treze de Maio. João frequentava muito a minha casa, brincava com meu filho na sala. Chegava no final da tarde da escola e já ia lá para casa. Carreguei a menina Maria Rita no colo várias vezes.".
"Elis viajava muito e quase não parava em casa. Tinha duas empregadas e era muito cuidadosa com os filhos. Sempre foi de pouca conversa, mas nunca me faltou com a educação. Certa feita a vi saindo pela garagem com um pacote de dinheiro, tudo espalhado no carro. Fui alertar do perigo e rindo me disse que não tinha problema nenhum. Parece que não ligava muito para essas coisas. Tinha um Bug, daqueles carros abertos. De todos os que me lembro de ir muito lá, a Fafá de Belém é uma delas. Circulavam muitos artistas, porém não conhecia a maioria deles", continua relatando seu Bau. E se o deixar, ele vai relembrando tudo com uma grande riqueza de detalhes, pois possui uma memória muito boa, mesmo após esses anos todos.
Chegamos no dia em que a Elis morreu, 19/01/1982, exatos 26 anos, quando ela estava com 36 anos de idade: "Era janeiro de 1982, acho que por volta das 10h30, 11h. As duas empregadas estavam aguardando na entrada do prédio dona Elis acordar. Elas iriam fazer compras. Foi quando doutor Samuel chegou correndo, pois havia falado com ela ao telefone e a achando diferente veio conferir. Subiu com o João Marcelo, todo nervoso. Ficamos esperando embaixo por uns 10 minutos. Depois ficamos sabendo que ele arrombou sa portas. Foi triste e inesperado ver ele saindo do elevador com ela no colo, coberta por uma manta. Sentou por instantes na escada, muito ofegante, pelo peso carregado. A secretária já estava na porta da garagem com médico e tudo. Na saída, vi ela bater a perna com tanta força numa porta, sem esboçar qualquer tipo de reação. Ali tive certeza de que ela estava fora de si e talvez já morta. O médico ainda colocou a mão na sua testa e disse: Toca rápido. Foram de táxi para o Hospital das Clínicas e em menos de uns dez minutos já estava dando na TV sobre sua morte. Seus filhos ainda assistiram tudo, sentados na poltrana na minha casa. Foi um dia muito triste para todos do prédio e do Brasil".
Não tinha ainda visto esse espigado senhor ficar emocionado. Suas histórias, até então, foram contadas de uma forma alegre, espontânea, fluindo naturalmente, mas esse tema da morte da Elis, talvez pela presença das crianças, da qual traz boas recordações, pelo relacionamento que tiveram com os seus filhos, cala mais fundo. O final do relato foi um tanto arrastado e conseguido já sem a naturalidade anterior. Dava para notar que o assunto deveria ser encerrado rapidamente. Mesmo assim, acabou me dizendo mais algumas coisas: "A família dela foi embora logo a seguir. Sei que mudaram para a Haddock Lobo e nunca mais tive contato com ninguém. Os últimos encontros foram durante os depoimentos prestados na delegacia, quando permaneci por mais de 3 horas e pela imprensa, que subia até em árvores lá na frente do prédio. Eles queriam saber detalhes, mas eu não sabia de nada. Percebia que ela estava deprimida, triste, tanto que na noite anterior, ligou na portaria avisando que não queria que ninguém subisse, nem Deus, pois queria descansar. E descansou".
Mudei de assunto e fui especular sobre o sucesso dos seus sebos e sua vinda para Bauru. Os sebos ligados a ele são os de maior sucesso na cidade. Muitos outros tentaram se estabelecer no ramo, mas seu Bau foi o primeiro a se firmar e hoje é uma espécie de referência. Ele me conta como tudo começo: "Foram 40 anos de carteira assinada. Aposentei em São Paulo e o filho Roberto havia vindo para cá, onde ganhou casa da COAB. Vim conhecer a cidade e fiquei. Montei uma primeira banca lá na rua Campos Salles, quadra 16. Era pequena, tinha revistas e livros usados. O forte era o jogo do bicho. Comecei a ter uma boa clientela lá e resolvi ficar definitivamente quando comprei minha casa lá no Mary Dota. Tive que arrendar aquela banca por causa de uma operação no estomago. Precisava ficar mais em casa. Quando me recuperei fui trabalhar na Consiste, também como zelador".
Até então, nenhum grande envolvimento com o ramo livreiro. Deu para perceber que seu Bau é daqueles inquietos, muito ativo e sempre necessitando de estar envolvido em alguma atividade para lhe tomar o tempo e, claro, ajudar na renda familiar. Na sequência me contou como foi parar ali no famoso sebo da rua Treze de Maio: "Uma tarde passava ali por essa rua e parei para conversar com um velho, dono de uma banca na quadra de cima da avenida Rodrigues Alves. Queria desfazer do negócio e eu procurando um. Com um cheque de 100 reais comprei e não parei mais. Comecei a comprar gibi, livros, discos, sem nunca abandonar o jogo do bicho. Amontoei livros aos montes, tanto que tive que alugar um quartinho na rua Bandeirantes. Quando deu 6 meses o proprietário cresceu os olhos e tive que sair de lá. Desolado, quem me ajudou foi o seu Manoel Duque, dono do estacionamento junto à minha banca. Com apoio dele, comprei 500 tijolose fiz as ampliações. Até então os filhos não queriam trabalhar comigo".
Disso seu Bau gosta de falar, pois sente orgulho de ter seus filhos ao seu lado, o Antonio Sergio, no local da primeira banca, o Roberto, na casa mais famosa, a da Treze de Maio nº 6-10, um funcionário na banca do jardim Independência e ele na da avenida Rodrigues Alves. Os filhos só se convenceram quando notaram que o pai ganhava bem com aquilo tudo: "Foi difícil convencer os filhos para virem trabalhar comigo, só ocorrendo quando o negócio cresceu. Alugamos a que está o Roberto, lá tinha uma vidraçaria e depois o restante do prédio, onde começou a livraria Jalovi. Acertamos com aquele prédio todo e ficamos conhecidos como os donos dos sebos da cidade".
Deixando, ele fala muito mais e só tem uma chateação com tudo o que já passou na vida: "Fiz só o primário e não gosto muito de ler. Fico triste, pois diante de toda essa riqueza leio pouco, até porque a vista já não ajuda muito". Quem o ajuda muito hoje em dia é Érica Soares, 18 anos, uma elétrica garota, espécie de faz tudo na loja, colocando preços, dando descontos, negociando compras e principalmente atendendo no balcão: "Acertei a mão com essa menina, pois sem ninguém para me ajudar, passo um bocado de apertos por aqui". E assim seu João segue sua vida, cheio de lembranças, algumas ruins e outras muito boas.
Henrique Perazzi de Aquino, escrito em 03 e 04/janeiro/2008.